Excerto da Resenha Crítica da Obra “Aprendendo Filosofia” de César Aparecido Nunes, publicada pela editora Papirus, São Paulo, em 2004
À semelhança do professor Huberto Rohden em Filosofia da Arte – a metafisica da verdade revelada na estética da beleza, quando afirmava que – “(…) por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento à quaisquer convenções académicas”, também nós, outros, cultivamos esse pensamento.
Muito frequentemente o autor dirige-se a Grécia como se fosse a primeira grande civilização, dando-lhe todo o mérito que a história poderia granjear à qualquer nação que se lhe parisse o mecanismo essencial de toda a sua engrenagem.
A título disso, na primeira parte – sobre o período cosmológico, (p. 21), o autor explica que a filosofia origina-se na Grécia, nos últimos cinco séculos antes de Cristo e, que foram os gregos que sistematizaram uma forma de conhecimento, um modo de reflexão ou uma teoria de compreensão da realidade definido como Filosofia.
Ora aqui está, a primeira contradição que Aprendendo Filosofia empreende. Dizer que foram os gregos que sistematizaram uma forma de conhecimento, um modo de reflexão ou uma teoria de compreensão da realidade – a que chamaram filosofia, implica dizer – foram os gregos quem primeiro se indagaram sobre o porque das coisas.
Entretanto, o mesmo autor que nos ensina que a filosofia surge como reação ao pensamento mitológico, revela-nos que segundo Heródoto, a filosofia seria “a busca da compreensão da realidade total”. Entendemos, então, que se busca a compreensão da realidade total, então é Filosofia.
Nisso consiste a tal contradição, porque dizer que a filosofia busca as causas últimas de todas as coisas, ou seja, a compreensão da realidade total, significa admitir que em algum estágio da humanidade a mitologia foi a própria filosofia, primeiro por procurar compreender a realidade total, e a seguir por militar contra o são entendimento – no caso, a ignorância e o senso comum.
Para nós outros a filosofia existe desde que o homem é homem, pois desde que o raio da divindade lhe pariu a razão, que se indaga com o porquê dos porquês. E nisso achamos fundamento na filosofia do direito de Pedro R. Campanini que, segundo o qual, “o homem passou a filosofar no momento em que se viu cercado pelo problema e pelo mistério, adquirindo consciência de sua dignidade pensante”.
Nisso evidencia-se a posição do conhecimento mitológico como a primeira tentativa de se medicar essas indagações.
Forçoso é, por isso, considerar que o primeiro povo a reconhecer nesse conhecimento baseado na alegoria o remédio, ainda que precário, para a sua ignorância seria, obviamente o pai da filosofia.
Se reconhecermos, incrédulos, que a certeza da história nasce do depoimento unânime de mil testemunhas oculares de diferentes nações, sem que ninguém tenha reclamado contra seu testemunho e que essa mesma certeza tem fundamento nos monumentos, então veremos o Egipto a preceder a Grécia e a erigir, assim, o caminho para o progresso da humanidade, (Voltaire, in filosofia da historia, p. 16-17).
Detenhamo-nos aqui um momento para observar, primeiro por Voltaire em filosofia da história e a seguir por Moisés Kamabaya em a contribuição da África para o progresso da humanidade, o quanto são os egípcios os merecedores de toda honra e louvor que até agora, falsamente foi atribuído aos gregos.
Baptista Mondim em Curso de Filosofia, vol. II relata que foram os egípcios quem primeiro idealizaram ou conceberam um deus universal e absoluto. Pois, como nos lembra Lenine, “é simplesmente a razão que exige deus, assim, se os leões tivessem mãos para pintar e esculpir, também teriam erigido seus deuses à sua imagem e semelhança”.
Incontestavelmente, Voltaire in, filosofia da história confirma esse dogma,
… essa opinião de uma ressurreição após dez séculos passou para os gregos, discípulos dos egípcios, e para os romanos, discípulos dos gregos. Encontrámo-la no sexto livro da Eneida, que nada mais é que a descrição dos mistérios de Ísis e de Ceres Eleusina.
Essa passagem espelha, primeiro a antiguidade do povo egípcio [em relação à Grécia], a originalidade de suas crenças, leis e costumes, e a seguir, revela-nos os segredos da história universal por detrás ou livre de todo subjetivismo. Quer aristotélico, quer hegeliano, que sempre se comprometeram em corromper as cortantes verdades históricas. Reconhecemos, porém, o contributo de seu pensamento!
Quanto a Aristóteles, digamos, por quase nunca fazer referência a influência egípcia em seu pensamento, quanto a Hegel, por comprometer-se profundamente em deturpar o curso da história [há argumentos para tudo… – em nome do materialismo dialético], e isso vê-se, por exemplo, na obra de Lenine, VI tomos, sobre a história da filosofia, quando Hegel nos conta que Anaximandro faz o homem devir de um peixe.
Entretanto, fazer o homem devir de um peixe significa aceitar uma teoria da evolução das espécies, ainda que precária (…), porém a evolução é inconcebível para Anaximandro. Pois ignora o conceito de dialética.
Como vemos, Anaximandro não pôde fazer o homem devir de um peixe.
Eis qui um pequeno exemplo de que a história por ser sempre vítima de subjetivismo por parte dos pesquisadores e de má-fé por parte dos vencedores, deverá sempre sujeitar-se à censura e reflexão filosófica, que tem início em Voltaire, o que nos remete a submeter a história ao processo dialético. [=Como sobrepor o método científico ao sujeito epistemológico!?]
Verossimilmente o senso comum ensina que contra factos não há argumentos. Vejamos um facto que indubitavelmente abala qualquer sofisma.
Assim, apresentamos a seguir a hegemonia remota do pensamento egípcio sob uma abordagem antropológica:
O pensamento filosófico mundial veio do Egipto. George James (1776) na sua obra magistral diz que é da filosofia Socio-religiosa do Egipto donde originou o pensamento grego. De facto, James afirma que “o termo filosofia grega, para começar, está mal dado”. O sistema dos mistérios do Egipto, (The Egyptiam Mysteries System) de onde derivou todo o sistema filosófico dos gregos foi também a origem da filosofia grega. Assim, para evidência dos conceitos, George James mostra a seguinte ligação histórica: – primeiro, a teologia Menfita, usada pelos egípcios cerca de 4.000 anos a.C., com as suas três partes sobre o Deus do caos, o Deus da criação, e o período dos deuses nessa teologia Menfita contém conceitos que os gregos parecem terem copiado, tais como: 1). O conceito de sumo-bem – o bem mais alto e as virtudes cardeais que fazem dos humanos deuses (conceitos usados por Sócrates, Platão e Aristóteles); 2). O currículo do sistema dos mistérios do Egipto, isto é, as sete artes liberais, as ciências dos 42 livros de Hermes; as ciências do monumento (arquitetura das pirâmides e outras construções); as ciências secretas (a geometria e os símbolos religiosos); a ciência da ordem social e sua protecção política (ciências sociais), 3) a prova da existência de Deus usada por Aristóteles, isto é, o fim do universo e Deus como movedor não-movível; o conceito de alma, imortalidade e salvação; o conceito dos elementos-chave da natureza – ar, fogo, água e terra; o princípio dos aspetos da estrutura e funcionamento do universo (dislética); o conceito da criação como um produto do número (inteligência criativa) e logos; o conceito do átomo como a base de construção de todo o universo (proveniente do deus Atum, cujo nome e atributos são os mesmos reconhecidos ao átomo). E. James (1976, p. 151) acrescenta: “e desde que a África lançou a fundação do progresso moderno… A África e o seu povo merecem a honra e o louvor que durante vários séculos foi falsamente atribuído aos gregos, (George James apud Moisés Kamabaya).
De resto, os gregos mais importantes que se distinguiram na filosofia e nas ciências em geral, e que fizeram o famoso “milagre grego” estudaram no Egipto faraónico, (Moisés Kamabaya, in A Contribuição da África para o Progresso da Humanidade – uma abordagem antropológica, 2011, p. 58).
Por fim, se Nunes (2004) procura renovar o apelo de se refazer a atitude filosófica original, a de questionar criticamente a existência, o conhecimento, a sociedade e a cultura, apresentando a filosofia como um instrumento lógico, indispensável na formação da consciência humana, então, indubitavelmente, o autor alcança a plenitude dos objetivos preconizados.
O leitor encontrará nessa obra um guia prático para melhor desenvolver seu espírito crítico, caso se comprometa com a verdade e clareza do pensamento à quaisquer convencionalismos. Pois, sobrevivendo à alienação, o leitor poderá compreender a realidade de seu tempo, alcançando um conceito de mundo puro, ainda que precário, livre de subjetividades corruptíveis e de conclusões ambíguas, que finalmente o moldará, e o incitará a moldar também a sua própria realidade e a dos seus, num processo permanente e dinâmico de evolução do homem, em direção àquilo que lhe faz humano – (…) humanização [Ubermensch, Nietzsche].
Autor: Domingos Bengo, 2013
Editor: Cefal, 2020
Fonte (Texto Integral): Introdução a Filosofia Moderna – RC
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Um artigo bastante bom e correcto naquilo que aborda.
Entretanto, penso que os gregos não são os pais da filosofia como uma forma sistematizada de conhecimento, como o autor do artigo bem provou. Eu diria que os gregos são os pais da “filosofia materialista”, se me permitem tal absurdo. Ou seja, uma filosofia que busca a causa dos fenómenos físicos apenas nos processos físicos, descartando a influência dos deuses que eram aceites pelos seus antecessores egípcios.
Nada mais verdadeiro, os gregos foram sim pioneiros numa filosofia materialista. Porém, ainda assim se encontravam atrás de seus principais influenciares – são eles os egípcios e os chineses. Apesar de uma base fundamentalmente oriental e, por isso mesmo, supostamente idealista, esses antigos, principalmente os egípcios, eram movidos por condições materiais de existência que os impelia a pensar empiricamente de forma sistematizada (filosofia da praxes). De outro modo sucumbiriam às inúmeras enchentes do rio nilo e às constantes demandas militares e arquitectónicas.
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